Rio
Inea identifica 97 comunidades em áreas de conservação estaduais
O diagnóstico mostra que, dessas 97 comunidades tradicionais, 12 são quilombolas
Um levantamento inédito realizado pelo Instituto Estadual do Ambiente (Inea) revela que 97 comunidades tradicionais, entre quilombolas, caiçaras, pescadores artesanais, salineiros, sitiantes e indígenas vivem nas unidades de conservação estaduais administradas pelo órgão ambiental estadual. Realizado por um Grupo de Trabalho composto por biólogos, geógrafos, engenheiros florestais e turismólogos, o estudo preliminar tem por objetivo contribuir para a implementação de políticas públicas voltadas à melhoria da qualidade de vida dos povos tradicionais que habitam essas unidades de conservação, preservando suas práticas ancestrais.
“Esse mapeamento nos permite enxergar, de forma inédita, a diversidade e a força cultural das comunidades tradicionais que vivem em nossas unidades de conservação. Ao compreender melhor seus modos de vida, conseguimos aprimorar e fortalecer nossas ações, além de valorizar esses saberes que atravessam gerações”, destacou o secretário de Estado do Ambiente e Sustentabilidade, Bernardo Rossi.
O diagnóstico mostra que, dessas 97 comunidades tradicionais, 12 são quilombolas que vivem nos Parques Estaduais da Pedra Branca (Zona Oeste do Rio), do Desengano (Norte Fluminense), da Serra da Concórdia (Centro Sul Fluminense) e Cunhambebe (Costa Verde); e Área de Proteção Ambiental (APA) Estadual Pau Brasil, na Região dos Lagos.
Entre as comunidades quilombolas mapeadas está o Quilombo Cafundá Astrogilda, localizado no Parque Estadual da Pedra Branca e que abriga hoje mais de 120 famílias, totalizando cerca de 800 pessoas. O território, que ocupa 10% da área total do parque, preserva práticas agrícolas, culinárias e culturais transmitidas entre gerações e integra iniciativas de turismo de base comunitária.
Um dos principais destaques turísticos na região é o Restaurante Tô na Boa, criado em 2012 na zona de amortecimento do parque e conduzido por Gizele Mesquita, bisneta da matriarca Astrogilda, que dá nome ao quilombo. O espaço valoriza a culinária tradicional, recebe turistas do mundo todo e promove roteiros que incluem uma trilha interpretativa pelo parque e visitas ao quilombo e seus principais espaços, fortalecendo a geração de renda dentro da comunidade.
“Esse olhar conjunto que temos hoje entre o Inea e a comunidade é importantíssimo para garantir que as coisas caminhem de forma tão produtiva. O restaurante faz parte do parque e essa noção de preservação também soma ao que eu aprendi ainda com os meus avós. Busco trazer isso para dentro da cozinha e do espaço como um todo”, pontuou a dona do empreendimento.
Além dos quilombolas, há 63 comunidades caiçaras no Parque Estadual de Ilha Grande (Costa Verde), na Área de Proteção Ambiental (APA) Estadual Tamoios, em Angra dos Reis; e nas Reservas Ecológicas da Juatinga, em Paraty, e Desenvolvimento Sustentável do Aventureiro, em Ilha Grande.
Nove comunidades de pescadores artesanais são encontradas nos Parques Estaduais da Lagoa do Açu (Norte Fluminense) e Tiririca, na Região Metropolitana; Áreas de Proteção Ambientais (APAs) Estaduais de Maricá, de Massambaba e Pau Brasil; Reserva Extrativista Marinha de Itaipu (Resex Itaipu), em Niterói, e Reserva Biológica (Rebio) Estadual de Guaratiba, na zona oeste da cidade; e duas tribos indígenas que habitam o Parque Estadual Cunhambebe e a Reserva Ecológica Estadual da Juatinga.
Também há uma comunidade salineira na APA Estadual Massambaba, e dez sitiantes residindo nos Parques Estaduais da Pedra Branca e da Pedra Selada (Centro Sul Fluminense); Refúgio de Vida Silvestre Estadual da Serra da Estrela e nas Áreas de Proteção Ambiental (APAs) Estaduais do Alto Iguaçu e de Gericinó-Mendanha.
- Esse levantamento é fundamental para nos mostrar onde e como vivem as comunidades tradicionais, e o que podemos fazer para preservar seus costumes – destacou a coordenadora da pesquisa, a bióloga Carolina Marques.
As comunidades tradicionais têm uma forte conexão com a natureza: extraem do meio ambiente o que precisam para sua subsistência, sem causar impactos negativos. Um exemplo é a comunidade de pescadores artesanais que consegue prever a época da reprodução de determinadas espécies de pescados, evitando a pesca desses tipos de peixes nesse período. Já os salineiros são grupos que datam da instalação das primeiras salinas na Região dos Lagos. Muitos abandonaram a prática, mas alguns salineiros ainda sobrevivem da coleta artesanal de sal das lagoas.
A Salina Glória, localizada em frente à sede da APA Estadual Massambaba, em Araruama, é considerada uma das últimas salinas do Brasil que ainda mantém todas as etapas de produção do sal de forma totalmente artesanal. Seu funcionamento depende diretamente das águas da Lagoa de Araruama – reconhecida como a maior lagoa hipersalina do mundo, a qual a alta concentração de salinidade facilita que o processo de evaporação e cristalização ocorra naturalmente.
Há mais de 40 anos atuando na Salina Glória, o salineiro Donato de Oliveira, de 59 anos, é um dos guardiões desse conhecimento ancestral passado pelo pai, também salineiro, e repassado hoje para seus filhos.
Por meio da APA Estadual Massambaba, guarda-parques, em parceria com esses profissionais, promovem visitas escolares para apresentar o funcionamento das salinas e resgatar a história desse ofício tradicional na região. A iniciativa de educação ambiental ajuda a preservar a memória da atividade e a difundir suas práticas artesanais entre as novas gerações. Além disso, a presença da unidade de conservação contribui para proteger a área e conter a pressão da expansão imobiliária no entorno, garantindo que a prática continue existindo.
O estudo também revelou que integrantes dessas comunidades têm se voltado para atividades de apoio turístico, também como forma de subsistência. Nesse contexto, destaca-se a atuação de integrantes dessas comunidades que exercem funções como guarda-parques, condutores de visitantes e guias turísticos, representando a integração entre tradição e conservação ambiental.
Guarda-parque do Parque Estadual da Pedra Branca e guia turístico, Sandro da Silva também integra o Quilombo Cafundá Astrogilda, do qual é neto da matriarca que dá nome ao território. Sua trajetória reúne a experiência técnica do dia a dia na unidade e o conhecimento tradicional da comunidade.
“Ser guarda-parque sendo quilombola é ter a oportunidade de compartilhar tudo aquilo que eu adquiri de aprendizado com a minha ancestralidade. Nessa troca, conseguimos garantir que as unidades de conservação protejam muito mais do que a fauna e a flora, mas também esse patrimônio que é o saber e a cultura das comunidades tradicionais”, destacou o servidor.
O Inea também mantém um curso de condutores de visitantes, responsável por capacitar 216 pessoas de comunidades tradicionais.O Programa Estadual de Guias e Condutores do Inea tem como objetivo capacitar, ordenar e certificar as atividades de condução de visitantes nas unidades de conservação do Estado.
A qualificação de condutores locais de visitantes busca auxiliar o desenvolvimento social e econômico por meio do fomento das práticas de guiagem, propiciando geração de renda para comunidades do entorno. Além disso, permite oferecer ao visitante a possibilidade de uso deste serviço turístico com segurança, qualidade e mínimo impacto nas visitas aos parques.
Em 2025, o Inea avançou ainda mais na pauta ao instituir o Núcleo de Povos e Comunidades Tradicionais, desenvolvido a partir de um diagnóstico interno que identificou a necessidade de ampliar o diálogo com comunidades tradicionais presentes nas unidades de conservação. O núcleo passa a coordenar ações de aproximação, mapeamento e reconhecimento desses territórios, reforçando o papel histórico que esses grupos desempenham na preservação ambiental.
A atuação inclui apoio técnico, orientação às equipes das unidades e presença direta nos territórios, garantindo que os processos de conservação considerem práticas e saberes ancestrais.
“Os territórios tradicionais inseridos nas unidades são, na verdade, parte viva e indissociável dessas áreas protegidas. É importante reconhecermos que muitas dessas comunidades estão nesses territórios antes mesmo de serem criadas as unidades de conservação e que são detentoras de saberes ancestrais valiosos, que não podem e não devem ser ignorados pelos órgãos ambientais. Por isso, a escuta ativa nos territórios tem sido o ponto de partida da atuação do núcleo”, pontuou Estefanie Rodrigues, chefe do setor e remanescente do Quilombo Boa Esperança, em Areal, Centro-Sul Fluminense.