Brasil
A Anistia do “Rei”: Perdão Histórico a ídolo do Atlético Mineiro
O Estado Brasileiro Reconhece a Perseguição Política Contra o Ídolo do Futebol
O ex-atacante Reinaldo— ídolo do Atlético Mineiro e nome fundamental na história da Seleção Brasileira — tornou-se o segundo jogador de futebol do país a ser oficialmente anistiado pelo Estado. O reconhecimento formal encerra uma perseguição política que o atleta sofreu ao longo de quase uma década, entre março de 1978 e outubro de 1986, devido a suas posições políticas expressas em campo, notadamente a comemoração com o punho cerrado, símbolo de protesto e luta por democracia.
A decisão da Comissão de Anistia, que também determinou uma indenização de R$ 100 mil reais, marca um acerto de contas com o passado e segue o precedente histórico de Fernando Antunes Coimbra, o Nando, irmão de Zico, que foi o primeiro atleta anistiado em 2011.
O Discurso Emocionado e a Perseguição Silenciosa
Durante seu pronunciamento na sessão de anistia, Reinaldo se emocionou e detalhou um lado da repressão que, segundo ele, é menos conhecido, mas igualmente devastador. Ele descreveu a angústia de sofrer uma campanha de difamação e a dor de se sentir isolado.
Em exclusiva, Reinaldo resumiu o trauma pessoal:
“São dores profundas e silenciosas durante anos de vida.”
O jogador denunciou que o regime militar utilizava uma repressão que ia além das torturas e prisões, focada em destruir a reputação de seus opositores.
Reinaldo, em discurso: “A repressão do Estado foi muito além dos porões e das celas. Eles criaram campanhas de difamação, verdadeiras operações para acabar com a reputação e a vida social de pessoas que eles consideravam ‘inimigos’ ou ‘ameaças’ ao poder deles.”
O ex-atleta afirmou que existia uma “central de boatos” oficial, uma “verdadeira máquina de propaganda e mentiras” que agia para manchar sua imagem. A vigilância constante gerou uma sensação de perda da liberdade, mesmo fora das grades:
“A sensação de estar sempre sob a mira do Estado era constante. Isso gerou um medo e uma insegurança que tiravam minha liberdade mais profunda, me fazendo sentir preso mesmo estando solto.”
Os prejuízos em sua carreira foram igualmente devastadores. Reinaldo citou a exclusão da Copa do Mundo de 1982 como o exemplo mais evidente da perseguição, um corte que, para ele e o público da época, não se deu por questões físicas:
“Talvez o exemplo mais evidente seja a não convocação para a Copa de 1982 – onde, apesar do treinador falar em questões físicas, todo mundo sabia que o motivo eram as restrições ao meu suposto comportamento fora de campo, infladas pela ‘central de boatos’ e pela imprensa parcial.”
As Provas da Perseguição e o Pedido de Desculpas
O requerimento que levou à anistia foi conduzido pelo advogado e ex-Procurador Geral da República Rodrigo Janot, que detalhou os quatro fundamentos que provaram a perseguição política contra o atacante.
Janot explicou que o processo foi baseado em evidências de controle da vida privada e interferência direta na carreira do jogador:
“O pedido teve quatro fundamentos… O primeiro foi o monitoramento e a bisbilhotagem da vida privada e profissional pela polícia política do Estado. O segundo, terceiro e quarto dizem respeito à interferência direta na vida profissional de um cidadão. Foi, os fundamentos foram: ter sido impedido de participar da final do Campeonato Brasileiro de 77, excluído da Copa de 78 na Argentina, depois de ter iniciado a competição, e de não, ter sido obstruído de participar da competição em 82. […] foi impedido de participar de três competições.”
A perseguição era de conhecimento da mais alta cúpula do regime, com Reinaldo chegando a ser repreendido diretamente pelo General Ernesto Geisel, o então presidente do Brasil.
O ato de anistia foi marcado por um gesto simbólico muito aguardado, conforme destacou o advogado:
Rodrigo Janot: “Foi uma, uma postura simbólica muito marcante, que foi um pedido formal de desculpas do Estado Brasileiro por ter, literalmente, atrapalhado e atravessado a vida profissional e pessoal de um brasileiro simples, de um brasileiro jovem que, simplesmente, resolveu erguer o punho cerrado para chamar a atenção para a liberdade e para a democracia.”
Nando, o Precedente Histórico
Reinaldo se tornou o segundo jogador anistiado. O primeiro foi Fernando Antunes Coimbra, o Nando, irmão mais velho de Zico. Nando foi reconhecido como perseguido político em 2011, por ter tido sua carreira interrompida devido às suas convicções durante a Ditadura Militar.
A perseguição se estendeu ao exterior, com Nando sendo forçado a fugir de Portugal em 1968, onde foi ameaçado pela polícia política local (PIDE). Ao retornar ao Brasil, ele optou por não contar a verdade para proteger seus irmãos, Edu e Zico, temendo que o sucesso deles fosse afetado pelo cerco do regime. Em depoimentos, Nando afirmou que o controle dos militares era tão grande que o craque Zico chegou a ser cortado de uma competição importante a pedido da ditadura.
Contexto Histórico: A Lei da Anistia de 1979
A Lei nº 6.683, a Lei da Anistia, foi promulgada em 28 de agosto de 1979, durante o governo do General João Figueiredo, como resultado de uma intensa campanha popular. Contudo, o texto final da lei concedeu o perdão para crimes políticos cometidos tanto pela oposição quanto pelo próprio governo militar, beneficiando também agentes de repressão e torturadores. Embora parcial, a lei viabilizou o retorno de exilados, o resgate de direitos de perseguidos políticos e preparou o caminho para a redemocratização do país.
Para Reinaldo, o processo de anistia, mesmo tardio, é crucial:
“as reparações, ainda que tardias, são justas e esse acerto de contas com o passado é necessário para o constante aperfeiçoamento de nossa democracia.”