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Entenda as razões que levaram o preço da carne disparar nos mercados

De acordo com especialistas, primeiro trimestre de 2020 também deverá ser com carne bovina em preço elevado

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Foto: Reprodução Internet

A pecuária nacional tem passado por um momento distinto. De acordo com dados do Cepea (Centro de Estudos Avançados em Economia Aplicada), da Esalq/USP, os preços da arroba negociada no mercado paulista e os da carne no atacado da Grande São Paulo alcançaram patamares recordes reais.

No dia 13 de novembro, o indicador do boi gordo ESALQ/B3 fechou a R$ 190,95, bem próximo do recorde real, de R$ 191,89, registrado em abril de 2015 – todos os valores da série histórica do Cepea, iniciada em 1994, foram deflacionados pelo IGP-DI de outubro de 2019. No acumulado parcial entre de 31 de outubro a 13 de novembro, o indicador registra forte avanço de 12%. Em outubro, o volume de carne bovina exportada pelo Brasil foi recorde.

Por essas razões, nota-se que não é de hoje que os consumidores de carne bovina percebem o preço mais “salgado” do produto nos mercados e açougues do país. O Brasil é o principal exportador e o segundo maior produtor de carne bovina do mundo. Mas afinal de contas, qual é a razão para tamanho disparo do preço? Listamos alguns dos principais fatores resultantes no valor da carne atualmente, que afeta principalmente os mais pobres:

1. China

A China, país mais populoso do mundo (1,386 bilhão de habitantes), aumentou – e muito – a compra de carnes brasileiras. Isso porquê a carne suína, a mais consumida por lá, sofre com uma peste africana que matou mais de 7,5 milhões de animais em toda Ásia apenas neste ano. Por conta disso, o governo local precisou buscar soluções. E o Brasil se tornou a principal delas. A prova foi o disparo da importação das carnes brasileiras: boi, frango e até de jumento.

De acordo com o Ministério da Agricultura, em junho de 2019, o Brasil exportou cerca de 20 mil toneladas de carne bovina para a China. Em outubro, foram quase 66 mil toneladas. Segundo a Associação Brasileira de Supermercados (Abras), em menos de três meses o custo do contrafilé subiu 50% para os supermercados; o do coxão mole, 46%. Por isso, o aumento foi repassado aos consumidores.

2.  O dólar nas alturas

As exportações são feitas em dólar e, com a moeda americana tão alta, a venda de carne para o exterior se tornou muito mais atrativa que a venda nacional. A prioridade é para a exportação. Vale lembrar, que a moeda americana vem batendo recordes históricos desde outubro.

3. A concorrência

O principal exportador de carne no mundo são os Estados Unidos, mas muito por conta da carne suína. O problema é que EUA e China travam um duelo comercial acirrado, o que dificulta negócios entre eles. Principalmente quando existem outras possibilidades, como neste caso o mercado brasileiro. A Austrália, que completa o top 3 de produção bovina e muito mais próxima da China quanto à questão geográfica, também enfrenta problemas na sua produção. O país vivencia uma grave seca, acarretando a queda na produção do gado.

Consequências

O alto valor da carne vermelha nos mercados faz que o seu consumo diminua. Esse fenômeno desencadeia o aumento da demanda de outras proteínas, como o frango, o porco e o ovo.

No fim de novembro, a ministra da Agricultura, Tereza Cristina, disse que os preços mais altos vieram para ficar: “Neste momento, o mercado está sinalizando que os preços da carne bovina, que estavam deprimidos, mudaram de patamar”, afirmou, em nota publicada pelo jornal O Estado de S. Paulo. Questionada se continua a consumir carne vermelha, respondeu em tom de brincadeira: “Estou comendo frango. Agora, é só frango”.

O preço quilo do peito de frango subiu de R$ 14,21, no começo de janeiro, para R$ 17,82 em novembro, alta de 25,4%. Os dados são da Scot Consultoria. A empresa considerou os estados do Paraná, Minas Gerais, Rio de Janeiro e São Paulo e os números foram divulgados pelo portal G1.

Em entrevista à SUPER RÁDIO TUPI e ao portal tupi.fm, o economista André Braz falou sobre o tema. Braz é Mestre em Economia pela Universidade Federal Fluminense e Finanças e Economia Empresarial pela EPGE/FGV e pertence ao staff da Superintendência Adjunta para Inflação desde 1989, onde trabalha como coordenador do Índice de Preços ao Consumidor da Fundação Getúlio Vargas.

Por quais razões os consumidores notam um valor tão alto da carne vermelha nos mercados?

“É um conjunto de fatores. Anualmente, a gente já percebe o aumento da carne bovina nesse período do ano e com a aproximação das festas de fim de ano isso se intensifica. Mas nada comparado com o que o consumidor está vendo nos mercados neste momento. Essa alta tem a ver, não só com o período de maior demanda, como também pelo volume de exportação da carne. Houve um episódio de gripe suína em alguns países que a China compra a carne e isso diminuiu muito a oferta de carne no mercado chinês. Eles tiveram que correr pra outros mercados. E o mercado brasileiro já é presente na China, mas agora a quantidade exportada está muito maior.”

O que pode ser feito?

“Comprar um pouco menos e aproveitar um pouco mais as promoções. Essa é uma forma que o consumidor tem de se posicionar e dizer ‘com esse preço não dá pra comprar!’. Como é um produto perecível, isso ajuda a conter novos aumentos, favorece a disputa de concorrentes e pode haver algum recuo no preço que o consumidor vê hoje.”

Quais são as perspectivas de futuro?

“Esse não é um fenômeno que vai passar tão rapidamente, mas também não vai permanecer pra sempre. Eu acho que nos próximos dois, três meses o consumidor vai encontrar a carne no preço mais alto. Quem sabe a partir de março as condições comecem a mudar. Vai depender do episódio de gripe no mundo e de como os exportadores desse produto vão se comportar. Mas isso [voltar ao valor normal] não acontece imediatamente.”

Como estabelecer um equilíbrio entre a questão economia de lucro maior com mais exportações e social para que o preço não fique tão alto no mercado nacional?

“Não há como estabelecer uma política para um produto. O que a gente deve é melhorar as condições da nossa economia, gerando mais emprego e renda. Não dá pra ter uma política específica para esse fenômeno até por quê isso não vai demorar muito tempo. Isso não se repete tão facilmente. Não haveria tempo para implantar uma política que garantisse a carne no mercado brasileiro.”

A prioridade é a exportação para aproveitar o dólar em alta?

“Não é exatamente essa mensagem. O dólar mais alto agora foi uma consequência. A gente precisa ajustar alguns parâmetros da nossa economia. Na medida que a gente exporta mais, a gente aumenta a oferta de dólar. Isso ajuda a conter novas desvalorizações da moeda. É uma questão temporária. É um momento que favorece. É um momento que a China está disposta a comprar e pagar mais porque outros mercados não estão disponíveis. É um fenômeno esporádico e logo logo consumiremos a carne na mesma forma como o nosso hábito.”

Em nota, o Procon informou que até o momento não houve registro de prática abusiva de mercados e açougue pois o preço do produto se deve à “flutuação natural do mercado, em decorrência da relação entre a oferta e a demanda”:

“São princípios da ordem econômica brasileira, tanto a livre concorrência quanto a defesa do consumidor.
Nesse sentido, o artigo 39, X do CDC estabelece que é considerada prática abusiva a elevação sem justa causa do preço dos produtos ou serviços, o que pode acarretar em multa aos fornecedores que descumprirem a norma, em valores que podem variar entre R$ 684,22 e mais de R$ 10.000.000,00.

De acordo com reportagens veiculadas nos últimos dias em diversos canais de comunicação, houve um desabastecimento no mercado interno de carne, o que acarretou na diminuição da oferta, e na consequente elevação do seu preço.

Nesse cenário, é possível concluir que quando a elevação dos preços se deve à flutuação natural do mercado, em decorrência da relação entre a oferta e a demanda, não se trata de prática abusiva, apta a ensejar a atuação dos órgãos consumeristas.”

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