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Brasil

Herança maldita: ações contra crise hídrica custarão R$ 140 bilhões ao consumidor

Especialistas do Insituto Clima e Sociedade (iCS), do Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (Idec) e do Instituto de Meio Ambiente e Recursos Hídricos (Iema) somaram o impacto dessas ações

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Herança maldita: ações contra crise hídrica custarão R$ 140 bilhões ao consumidor (Foto: Divulgação)
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Herança maldita: ações contra crise hídrica custarão R$ 140 bilhões ao consumidor (Foto: Divulgação)

As medidas do governo federal para enfrentar a crise hídrica vão aumentar significativamente as emissões de carbono e deixar uma conta altíssima para o consumidor. Especialistas do Instituto Clima e Sociedade (iCS), do Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (Idec) e do Instituto de Meio Ambiente e Recursos Hídricos (Iema) somaram o impacto dessas ações, concentradas no acionamento de termelétricas a combustíveis fósseis, e estimaram em R$ 140 bilhões o valor a ser repassado para a conta de luz nos próximos 20 a 30 anos, a depender do valor e prazos finais das contratações.

O valor equivale a 15 vezes a despesa federal com o Auxílio Brasil prevista para este ano e é muito superior aos R$ 90 bilhões de dívidas vencidas que o governo teria de pagar no próximo ano e tenta, com a PM dos Precatórios, empurrar para a gestão seguinte. A conta foi feita pela consultora de Energia do iCS Amanda Ohara, mestre em Planejamento Energético, e leva em consideração os R$ 78,3 bilhões que, segundo a Fiesp (Federação das Indústrias do Estado de São Paulo), serão gastos com os chamados “jabutis” da MP de Privatização da Eletrobrás. São, principalmente, a contratação de PCHs e de térmicas movidas a gás natural que serão instaladas em regiões que não produzem o combustível, o que demanda a construção de gasodutos.

Amanda Ohara

Amanda Ohara, consultora de Energia do Instituto Clima e Sociedade (Foto: Divulgação)

Os especialistas apontam que o consumidor de energia, que sempre paga a conta, não seria tão penalizado se o planejamento do setor elétrico considerasse as mudanças climáticas, levasse em conta o potencial brasileiro em energias renováveis (eólica e solar) e seguisse a tendência mundial de buscar a eficiência energética para reduzir a demanda.

Além dos jabutis da MP da Eletrobrás e outras iniciativas do governo, a conta do iCS inclui o empréstimo de R$ 10 bilhões a R$ 15 bilhões que está sendo discutido para as distribuidoras e o leilão recente para comprar R$ 39 bilhões em energia entre 2022 e 2025 das termelétricas mais caras do sistema, com preço sete vezes mais alto por megawatt/hora comparados aos desta mesma fonte em leilões recentes. “A crise hídrica não terminou, e vamos enfrentar anos difíceis porque o governo segue com as mesmas soluções, negando o combate às mudanças climáticas. Estamos deixando de priorizar a energia barata e não poluente para colocar na frente da fila a emissão de fósseis”, ressalta Amanda.

O engenheiro ambiental Clauber Leite, coordenador do Programa de Energia e Sustentabilidade do Idec, atribui essa “herança maldita” à falta de planejamento, e destaca que um programa robusto de redução da demanda poderia ajudar. “Pequenas medidas como o horário de verão e estudos do ONS (Operador Nacional do Sistema) não foram considerados na tomada de decisão, e houve a interrupção do importante programa de redução voluntária de demanda pelo setor industrial”, citou Clauber, mestre em Energia e especialista em Energia Renovável e Eficiência Energética pela USP. “Fala-se de um aumento médio de 21% na conta de luz no ano que vem, mas o modelo é insustentável, e as medidas tomadas só jogam para a frente uma fatura que vai estourar.”

O impacto também é grande no volume de emissões de carbono, em um momento em que o Brasil se compromete em reduzi-las frente à comunidade internacional. Segundo Ricardo Baitelo, coordenador de Projetos no Iema e doutor em planejamento energético pela SP, só a contratação dos 8 GW pelas térmicas previstas na MP da Eletrobrás representará 20 milhões de toneladas a mais de CO2 por ano, levando em conta a operação de 80% da capacidade. “É um aumento de 37,4% nas emissões do setor em 2019”, compara.

“As informações são estarrecedoras, e as medidas estão desconectadas dos compromissos assumidos pelo Brasil na COP 26. Estamos sujando nossa matriz, que é majoritariamente baseada em energia limpa, tendo um potencial enorme de energia barata e renovável para explorar”, observa Teresa Liporace, diretora programática do iCS. “São números que comprometem a retomada da economia por causa do impacto para os pequenos negócios e o consumidor final, além da questão social, de excluir o acesso a produtos essenciais para muitos que lutam pela obrevivencia”, complementa Liporace.

Para o ex-diretor do ONS Luiz Barata, a explosão da conta mostra mais uma vez que, apesar de o modelo de planejamento energético no Brasil ter se exaurido, o país adotou as mesmas soluções que já se mostravam improdutivas na metade da década anterior. “Lamentavalmente, no Brasil, a gente faz algo que não funciona e, depois, repete a mesma atitude, achando que vai funcionar. Nos últimos anos, o setor se diversificou barbaramente, com novos players tomando decisões, e só o consumidor, quem paga a conta, é que não participa delas”, diz Barata. A solução imediata, segundo ele, é seguir a tendência mundial de investir na eficiência energética, que reduz o consumo.

Entre os programas de eficiência fundamentais para o Brasil, diz Kamyla Borges, coordenadora da Iniciativa de Eficiência Energética do iCS, um exemplo importante é projeto prioritário para hospitais, que pode garantir no mínimo uma economia de 10% dos custos dessas instituições com energia, montante que poderia ser revertido para outros fins. O dinheiro que hoje é usado para pagar energia poderia ser revertido para comprar seringas, materiais e outros gastos com saúde propriamente dita. Priorizar eficiência vai além de reduzir demanda para o setor elétrico, pois é grande o potencial de geração de empregos nas empresas de eficiência e em contratações para as obras de retrofit de edificações.

Ela pontuou que as medidas de eficiência hoje são desagregadas e que o Brasil carece de uma efetiva e sistêmica política de eficiência. “Diante da falta de prioridade, quem mais perde são as pequenas e médias empresas, que não conseguem acessar os poucos mecanismos de financiamento existentes, o que compromete a competitividade da economia nacional.

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