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Capital Fluminense

Saúde novamente em colapso

Especialista em gestão de saúde faz uma análise sobre as principais variáveis que pressionam o sistema de saúde pública e privada

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leitos de UTI Covid-19 do Hospital de Campanha Célio de Barros
(Foto: Rogério Santana/Governo do Estado do Rio de Janeiro)
leitos de UTI Covid-19 do Hospital de Campanha Célio de Barros

Leitos de UTI Covid-19 (Foto: Rogério Santana/Governo do Estado do Rio de Janeiro)

Com o aumento do número de casos da covid-19 devido à variante Ômicron, a Fiocruz faz novo alerta sobre a ocupação de leitos de UTIs na rede do SUS no país. Cerca de um terço dos estados e 10 capitais estão com ocupação de mais de 60%. Esse cenário reflete uma defasagem na gestão de saúde pública, num momento que cresce o número de pessoas procurando leitos, sobrecarregando o já desgastado sistema de saúde nacional. Especialista e Coordenadora do Centro de Estudos em Gestão de Serviços em Saúde do Coppead/UFRJ, que estuda o desenvolvimento do setor através da implementação de práticas de gestão, a professora Cláudia Araújo diz que são muitos os fatores que levam o sistema ao colapso e analisa as principais variáveis.

De acordo com a professora, é necessário reativar leitos, observando a tendência provocada pela nova cepa e, consequentemente o aumento das internações (atualmente, segundo a secretaria de saúde, são mais de 840 pacientes na rede pública municipal, com outros cerca de 60 aguardando vaga, com uma taxa de ocupação de leitos em 64%). “A taxa de ocupação de leitos está crescendo a cada dia”, alerta a professora, acrescentando que diante do alto número de infectados pela Ômicron, o percentual pequeno de pacientes que apresentam sintomas graves da doença representa um quantitativo expressivo de pessoas, pressionando o sistema de saúde, não somente aqui no Brasil, mas em outros países, como os EUA.

Assim, para a especialista, mesmo os estados que ainda não estão nessa situação crítica, devem se preparar porque o prognóstico é que realmente haja aumento da contaminação e quem desativou, agora é hora de voltar com os leitos para covid. “A alta da ocupação não é apenas devido a covid-19, mas todas as questões de saúde defasadas no país”, lembra.
Para ela, a Ômicron está aí contaminando um percentual enorme da população, mas há também uma demanda pela influenza, outros tipos de doenças respiratórias, pneumonia etc., levando pessoas a internações. Ela lembra que a população adoeceu durante a pandemia devido ao confinamento. “Vários estudos comprovam que as pessoas começaram a ingerir mais álcool, tiveram ganho de peso, estresse e, inclusive, tendo a saúde mental afetada. Então, são muitas situações que acabam pressionando o sistema de saúde”, comenta.

Cláudia atribui a pressão do sistema de saúde a quatro perfis de pacientes: os contaminados por Covid; os que já tiveram a doença, mas que ficaram com sequelas; os doentes crônicos, que se afastaram do tratamento e dos cuidados por conta da pandemia (o que pode gerar um agravamento da doença); e os que adoeceram por conta de todo o estresse da pandemia, já que a saúde mental é um problema no país e no mundo. “Esses quatro pilares precisam ser analisados porque estão pressionando o sistema” detalha.

Equipe médica, equipamentos e insumos

A professora lembra que, ao se falar de aumento da demanda, deve-se considerar os profissionais de saúde, toda a equipe médica e clínica necessária para os atendimentos. Há, hoje, uma quantidade enorme de profissionais da saúde infectados, afastados e pressionados. “Não pretendo assustar a população, mas é uma questão bastante desafiadora em termos de gestão de saúde e é fundamental valorizar os profissionais da linha de frente. A gente tem pesquisado e eles estão esgotados, sem energia e forças. Poucas vezes vemos a entrega de um apoio emocional para estes profissionais, que ultrapassam o seu limite de superação”, alerta

Em pesquisa realizada pelo CES-COPPEAD com profissionais de linha de frente – médicos e enfermeiros – 100% dos entrevistados informaram estar esgotados física e emocionalmente. O foco do estudo foi resiliência e improvisação dos profissionais de linha de frente no contexto da pandemia. Em outra pesquisa, realizada com gestores de profissionais de enfermagem, 100% dos entrevistados informaram ser necessário dar apoio psicológico a estes profissionais, tendo em vista os desgastes do cargo frente à pandemia, para que os mesmos tenham condição de continuar trabalhando e prestar serviços seguros à população.

População deve fazer a sua parte

Claudia Araújo reforça também a importância da vacinação e do “pensar no coletivo”. Ela afirma que a vacinação é fundamental e que os casos mais graves da Ômicron são poucos, comparados ao enorme volume de infectados. “E, em geral, são pessoas que não se vacinaram”, diz a professora, reforçando que 2/3 da população brasileira está com a vacinação completa, 15% com a dose de reforço tomada e para essas pessoas a situação é mais tranquila.

Os poucos casos de internações, com cuidados mais específicos e uma atenção maior, atualmente, são daqueles que não completaram a vacinação ou não chegaram a se vacinar. A especialista ressalta também a importância dos cuidados individuais para a diminuição da contaminação, como manter o distanciamento social, o uso de máscaras e do álcool gel, pois a Ômicron é extremamente contagiosa

Testes de Covid e vacinação infantil

Por último, a professora relata outra dificuldade do momento, pois quando se fala em leitos e equipamentos, junto vêm os insumos, como é o caso da realização dos testes para verificar a infecção. Com a grande demanda, ela explica que veio a escassez dos insumos, algo que não deveria acontecer já que ainda estamos num cenário pandêmico. Assim, os próprios médicos e profissionais da saúde estão indicando que as pessoas fiquem em casa e só se dirijam para uma unidade de saúde se estiverem com sintomas mais fortes ou grave. “Essa é a hora do brasileiro usar o bom senso, hora de pensar no coletivo”, aconselha a professora.

O país iniciou também a vacinação nas crianças menores de 11 anos de idade, mas o momento também reflete as faltas no sistema de saúde brasileiro. “O desafio da vacinação infantil é muito grande porque precisamos de 40 milhões de doses e temos, por enquanto, metade disso. Então, o governo tem que ser ágil para conseguirmos vacinar as crianças antes da volta da escola”, sinaliza.
Enfim, a professora lembra que são muitos os desafios e que a pandemia deixa uma reflexão quanto ao cuidado quando pensamos em saúde, destacando que a cooperação deve ser dos órgãos de saúde e da população. “Precisamos reorganizar o sistema de saúde, repensar os espaços nos hospitais para atender a população e os reajustes físicos para leitos”, conclui a professora.

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