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Lula agradece à resiliência e promete governar com sociedade civil, em evento do Brazil Hub

Presidente eleito garante delegação única nas próximas COPs e adianta ações de governo na agenda do clima

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Lula agradece à resiliência e promete governar com sociedade civil, em evento do Brazil Hub
Lula agradece à resiliência e promete governar com sociedade civil, em evento do Brazil Hub

Durante evento promovido pelo Brazil Climate Action Hub, o presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva garantiu que o país não estará mais dividido nas próximas conferências entre delegações do governo e da sociedade civil, à qual agradeceu pela resistência nos últimos quatro anos. “Quero agradecer a resiliência, a resistência e a competência que vocês tiveram, resistindo a esse mundo nefasto que nos impuseram. Sinceramente, tenho orgulho de vocês”, disse o presidente eleito. “Eles acabaram com quase tudo que nós fizemos. Vai ser uma tarefa imensa, quero que vocês nos ajudem a reconstruir este país.” Nas próximas COPs, segundo Lula, “não haverá duas delegações, haverá uma delegação do nosso querido Brasil”. Foi aplaudido aos gritos de “O Brasil voltou”.

O Brazil Climate Action Hub é coordenado pelo Instituto Clima e Sociedade (iCS), Instituto ClimaInfo e Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia (IPAM). A diretora-executiva do Instituto Clima e Sociedade (iCS), Ana Toni, disse que a participação de Lula no evento organizado pelo Brazil Hub, que teve a fala de representantes da ciência, de indígenas, da juventude, da periferia e do movimento negro, foi “um reconhecimento da importância da resistência da sociedade civil brasileira na defesa do clima mesmo sob o peso do negacionismo e truculência de um governo autoritário que, nos últimos quatro anos, fez de tudo para destruir a governança, as instituições e os órgãos de preservação do meio ambiente no país”.

Para Ana Toni, a ida do presidente eleito ao evento organizado pela sociedade civil é também uma reverência dele à capacidade e importância dessas organizações de produzir propostas robustas e científicas de políticas públicas e privadas para o enfrentamento dos desafios climáticos e a construção de um Brasil mais justo, próspero e sustentável. “Nós brasileiros seguimos nos últimos quatro anos de cabeça erguida aqui na COP. O Brazil Climate Hub promoveu um debate plural, inclusivo, sem jamais perder a esperança e o horizonte da justiça social e climática como o único caminho para a concretização do sonho de um Brasil carbono zero. Foi o que tivemos oportunidade de apresentar esta semana à equipe de transição do futuro governo e a representantes de governos estaduais e do Congresso Nacional presentes no Hub Brazil”, declarou Ana Toni.

Délcio Rodrigues, diretor do Instituto ClimaInfo, afirmou que Lula leva do Hub uma experiência única de construção de resistência, ideias e propostas feita com a participação ampla da sociedade brasileira, de indígenas a empresários, de quilombolas a cientistas, jovens e ambientalistas. “Essas forças unidas mostraram que a política climática pode apontar caminhos para um futuro muito mais inclusivo e igualitário”, completou.

Eugênio Pantoja, diretor de Políticas Públicas e Desenvolvimento Territorial do Ipam, destacou no pronunciamento de Lula “um conjunto de orientações e visões estratégicas que dá o direcionamento ao que o governo federal vai precisar estruturar para implementação”. Entre os temas colocados estão “o compromisso de reduzir o desmatamento e também o de aumentar a participação da sociedade civil nas construções de políticas públicas, reestruturação dos órgãos ambientais, a criação do Ministério dos Povos Originários e de uma agricultura de baixa emissão para que se conecte com uma visão de futuro mais moderna para desenvolvimento econômico do Brasil”. Pantoja apontou ainda a intenção do presidente eleito de maior inserção do Brasil no cenário internacional e a aliança entre países para combater a fome e aumentar a segurança alimentar no planeta.

O Brazil Climate Hub foi criado em 2019 quando o governo Bolsonaro, além de abrir mão de sediar a COP25 no Brasil, decidiu não ter estande oficial naquele ano. Com a mobilização de diversas organizações e apoio de parceiros de todo o mundo, o Brazil Hub foi o único espaço a representar a sociedade brasileira na conferência, que acabou sendo realizada em Madri. Em 2021, na COP26, em Glasgow, a iniciativa se repetiu, e o Brazil Hub voltou a ser a referência do país no maior evento da agenda climática mundial.

Durante quatro anos, o governo Bolsonaro praticamente ignorou a COP e cortou o diálogo com as organizações. Seu governo também desmontou a governança climática, desmantelando órgãos de formulação e, principalmente, de monitoramento e fiscalização, como o Ibama, que teve funções revistas e equipe reduzida. Confira abaixo os recados que o presidente eleito recebeu no evento do Brazil Hub.

Pontos de destaque no discurso de Lula e da sociedade civil brasileira

Em seu discurso, Lula reiterou o compromisso de reduzir a desigualdade e citou Paulo Freire ao dizer que “quando a pessoa come, fica inteligente, e isso significa que ela pode pode ser tudo na vida”. Contou que se reuniria ainda nesta quinta-feira com o secretário-geral da ONU, António Guterres, e afirmou que seguirá pressionando para mudar a governança mundial, aumentando a presença de países latinos, asiáticos e africanos no Conselho de Segurança. A preservação do planeta, segundo ele, precisa de decisões internacionais, pois, se depender dos governos e parlamentos de cada país, as mudanças não saem. “Os 100 bilhões (de dólares) foram prometidos em 2009 em Copenhague, e as pessoas parece que esquecem”, cobrou Lula, referindo-se à ajuda dos ricos aos países em desenvolvimento para preservar suas florestas e enfrentar as consequências das mudanças climáticas.

Lula defendeu uma reunião de cúpula dos países da Amazônia já no ano que vem e ressaltou o caráter pacífico da diplomacia do Brasil, que não tem guerra com nenhum país desde a do Paraguai. “Como é que pode um país como esse perder a alegria e passar a odiar?”, questionou, fazendo críticas também ao desmonte do governo Bolsonaro na educação e na cultura. “Vamos pegar o país pior do que pegamos em 2003, com a coisa mais grave que é tentativa do desmonte, do descrédito das instituições.” Ele citou os ataques do bolsonarismo à Justiça, a adoção do orçamento secreto e a falta de relação do governo com a sociedade civil. “Durante quatro anos, o presidente, que está dentro de casa desde que foi derrotado, nunca fez um encontro com a sociedade civil para resolver os problemas. Ele ofendeu mulheres, negros, quilombolas, portadores de deficiência. O que ele pôde ofender e desmoralizar, ele ofendeu.”

O futuro presidente prometeu também retomar as conferências nacionais, como as 74 que realizou nas outras gestões, e exemplificou com citações à juventude, às mulheres, ao povo negro e à comunidade LGBT. “A gente não tem que ter medo de ouvir coisas inclusive que não gostamos de ouvir”, afirmou, acrescentando que pretende “fazer o país fervilhar do ponto de vista da cultura, inclusive levar a cultura onde deve estar, não só nos teatros municipais de cada cidade, mas a cada periferia onde ela é feita e muitas vezes a sociedade branca não sabe”.

Responsabilidade social e agronegócio

Sem resolver as questões sociais, segundo ele, não vale a pena governar. Lula voltou a criticar o conceito de teto fiscal, defendido por diversos economistas, dizendo que é preciso pensar na responsabilidade social também. “Tudo que acontece é tirar dinheiro da saúde, da educação, da cultura, desmontar tudo que é social, e não mexer um centavo do sistema financeiro, dos juros que os banqueiros têm que receber”. E lamentou que o mercado não aprecie suas considerações sobre a importância do investimento no social. “Paciência. O dólar não aumenta, e a bolsa não cai por conta de pessoas sérias, mas por conta dos especuladores. Temos de cumprir meta de inflação sim, mas temos de ter meta de crescimento, de geração de emprego. Se não, como fazer com que a renda seja distribuída? Temos que aumentar o salário mínimo acima da inflação”, exemplificou.

Lula voltou a prometer o Ministério dos Povos Originários e contestou as críticas de que os indígenas têm terra demais, em referência aos 14% do território demarcados em reservas. “Não é dos indígenas, mas é do Estado brasileiro, a terra é do Estado”, explicou o presidente eleito, prometendo ainda fazer com rapidez o reconhecimento dos quilombos. “Fui a um quilombo em Contagem (MG), que conheci em 2006. Até hoje não foi legalizado.”

O “verdadeiro agronegócio”, segundo Lula, sabe que não pode derrubar floresta, pois paga um preço alto em nível internacional pelo desmatamento. “Vamos evitar de uma vez por todas que haja exploração de garimpo em terra indígena. Vamos proibir madeireiros (ilegais). Se o cara quiser vender madeira, faz uma plantação, mas por que cortar uma árvore que tem 200 anos de existência?”

Ao ser citada por Lula, a ex-ministra Marina Silva foi muito aplaudida. Marina, segundo ele, sempre disse que “o que interessa não é proibir, é dizer como fazer as coisas de forma certa”. Lula chamou a atenção para o fato de o bolsonarismo continuar vivo, citando a violência contra aldeias,a fúria dos madeireiros. “No tempo em que estávamos no governo, quantas pessoas foram presas? Mas eles continuam. A gente vai ter que ter mais competência e maturidade.” Lula estava acompanhado pela mulher, a socióloga Rosângela Lula da Silva, por Marina Silva, pelo ex-ministro Fernando Haddad, pelo embaixador do Brasil no Egito e Eritreia, Antonio Patriota, entre outros.

Sete recados para Lula

O evento foi aberto pela coordenadora do Brazil Climate Action Hub, Cintya Feitosa, assessora internacional do Instituto Clima e Sociedade (iCS). Antes de discursar, Lula ouviu relatos e reivindicações de sete representantes da sociedade civil no Brazil Hub: além de Cintya, falaram Márcio Astrini (Observatório do Clima), Thuane Nascimento (Perifa Connection), Douglas Belchior (Uneafro e Coalizão Negra por Direitos), Puyr Tembé (Articulação dos Povos Indígenas do Brasil – APIB), Adalberto Val (cientista da Amazônia) e Bárbara Gomes (Engajamundo, representando os movimentos de juventude).

Cintya Feitosa, do iCS, explicou que a popularidade de Lula na conferência, comparada à de Leonardo Di Caprio na COP26, obrigou a transferência do evento que se realizaria no estande do Brazil Hub para um espaço maior. Ela apresentou um breve histórico sobre a criação do Brazil Hub, em 2019, motivada pelo fato de o presidente Jair Bolsonaro e os ex-ministros Ernesto Araújo e Ricardo Salles terem aberto mão de sediar a conferência e decidirem não ter estande oficial do governo.

“A sociedade civil se mobilizou. Fizemos um mutirão e credenciamos mais de 100 organizações, contando também com a solidariedade da sociedade civil global”, relatou. “No espaço oficial da conferência, foi a primeira vez (2019) em que a sociedade civil, e não o governo, representou seu país. Fomos a representação brasileira nos últimos quatro anos. A gente continuou, resistiu, e manteve a alegria, a resistência. O Brazil Hub celebra e se alegra com sua vitória. E a gente espera que seja o último ano do Hub como ele é hoje. No ano que vem e nos próximos, se o pessoal aqui concordar, nós daremos um espaço no Hub para o governo Lula. Estaremos juntos compartilhando a nossa casa”, brincou Cintya.
Em seguida, o secretário-executivo do Observatório do Clima, Márcio Astrini, saudou Lula dizendo que há quatro anos estavam esperando que uma autoridade brasileira fizesse um “discurso do tamanho que o senhor fez ontem”. Ele usou a história pessoal de Lula, que saiu de Pernambuco, onde enfrentava a seca, para São Paulo, para falar sobre refugiados climáticos. Ressaltou que o Brasil é importante na agenda climática porque “tem a Amazônia, mas também tem pessoas do semiárido, que fogem da seca, e que sabem o que é uma crise climática”. Segundo ele, as principais vítimas das mudanças do clima são as pessoas da periferia.


“São as pessoas que saem do semiárido, as que moram nas encostas, e na realidade de mudanças climáticas, quem vai perder sua terra é o agricultor familiar, que não vai ter como se adaptar”, disse. “Há muito tempo a agenda do clima é de ciência e números, mas também é uma fábrica de gerar desigualdade, problemas e pobreza para o povo”, afirmou. Segundo Astrini, a sociedade “permaneceu quatro anos de cabeça erguida, atravessando o deserto, mas está pronta para colaborar para que nunca mais precisemos reconstruir o país”. E completou dizendo que “governo bom se mantém sob pressão porque se não, não se acerta o ponto”.


A juventude e o tempo da emergência climática
Em nome do Perifa Connection, rede que congrega mais de 100 coletivos jovens, Thuane Nascimento defendeu a urgência da agenda climática sob a perspectiva da realidade dos jovens periféricos. Segundo ela, o momento pede urgência. “O tempo é o da juventude brasileira, que quer tudo para ontem, mas esse é também o tempo da emergência climática”, disse. Thuane falou sobre a necessidade de políticas de perdas e danos para enfrentar a realidade da periferia e do povo brasileiro. “Vivemos nesse desastre ambiental há 40 anos, com expropriação e perdas. O que está sendo feito é para correr atrás do prejuízo”, disse. Segundo a líder jovem, “temos tecnologia para mudar a realidade porque sobrevivemos às adversidades, temos compromisso ancestral com nosso passado, e compromissos com o presente para construir um Brasil melhor, com compromisso com o futuro”.


Representando a Coalizão Negra por Direitos, que reúne mais de 200 organizações, associações, coletivos, instituições e grupos do movimento negro, Douglas Belchior tratou da centralidade da pauta do racismo em um país de maioria negra. “Estamos repletos de jovens que fizeram sua formação política dentro dessa luta. O movimento negro ouviu os povos originários, que se uniu na luta climática. Nós temos hoje um governo eleito que nos traz de volta a esperança”, disse.

“Não existe justiça climática sem enfrentamento ao racismo, sem a pauta de adaptação e reparação histórica. E tenho certeza de que o senhor vai nos ajudar. Quando há uma emergência climática, a casa que vai embora é a do negro”, afirmou. Belchior avaliou que houve um processo de consciência política que educou a sociedade. “Em momentos históricos importantes a gente caminha décadas em alguns anos, e andamos décadas”, disse.

“Estamos defendendo a vida de todas e todos no mundo e estamos aqui para somar não apenas com o senhor, mas também com a primeira dama”, disse Puyr Tembé, da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (APIB), ao saudar Lula e Janja. “Esta é uma primeira-dama que pisa no chão, que é do povo.” Ela também agradeceu a humanidade por ouvir os indígenas e convidou a todos para “reflorestar a mente da sociedade”. Falou sobre a felicidade de os povos originários estarem representados no grupo de transição, mas ressaltou que estão preparados para ocupar outros espaços. “Não queremos ficar de fora. Queremos somar na construção de um país muito melhor. Obrigada por entender que nós, povos indígenas, não estamos falando do nosso umbigo, mas do Brasil, do mundo, do planeta.”

‘Precisamos chamar esses meninos de volta’

Há mais de quatro décadas trabalhando como pesquisador na Amazônia, com especialidade na diversidade de peixes, Adalberto Val, representando a comunidade científica, disse que os quatro anos para os cientistas foram um desastre. “Nós paramos as pesquisas científicas”, denunciou. Para falar da evasão de cientistas e pesquisadores nos últimos anos, Val contou a história de um jovem eletricista que vivia em Manaus consertando fios em postes. O jovem fez universidade no governo Lula, depois concluiu mestrado e doutorado, mas acabou indo para o Reino Unido por não ter oportunidades no Brasil.

“Precisamos chamar esses meninos de volta para ajudar nosso país”, disse Val, explicando que “meninos” é como no Amazonas costumam chamar carinhosamente os jovens. “Não há contraste entre o conhecimento tradicional e a ciência contemporânea. Existe uma soma desses conhecimentos, um apoia o outro”, afirmou. “Muito do que a gente aprendeu na ciência só foi possível a partir da interação com o conhecimento tradicional, é preciso dar vida a essa interação para avançarmos de forma significativa”’, completou.
Pedido de criação do Conselho de Juventude Climática

Bárbara Gomes, do Engajamundo, também contou sua história. Ela nasceu em Santo Estêvão, na Bahia. “Fui da primeira turma da Engenharia de Energia da UFRB, criada pelo senhor e pelo ex-ministro Haddad. Foi lá que conheci a pauta climática e aprendi que a juventude precisa estar nos espaços políticos para ser ouvida.” É a juventude, segundo Bárbara, que mais sofrerá o desequilíbrio do clima. “É muito bom ter um governo que está ao nosso lado. Estamos nas ruas porque nosso papel é ser linha de frente.” Ela entregou a Lula uma carta com 13 pontos, incluindo a criação do Conselho de Juventude Climática. “A gente precisa iniciar a ação climática agora, e a gente quer colaborar”, disse ela a Lula.

Antes de passar a palavra ao presidente eleito, Marcio Astrini ressaltou a diversidade da mesa e, em nome de todos, fez uma homenagem aos profissionais de comunicação, “que nos últimos quatro anos foram perseguidos, lutaram para trazer a verdade”. “Houve profissionais que apanharam na rua. Que isso nunca mais aconteça”, disse. Os jornalistas foram aplaudidos demoradamente.

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