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Bienal do Livro

‘Para entender o Brasil, é preciso conhecer a fundo a história da escravidão’, defende Laurentino Gomes

Em entrevista ao site Tupi.FM, o escritor defendeu políticas de compensação como as cotas nas universidades

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Em entrevista ao site Tupi.FM, o escritor defendeu políticas de compensação como as cotas nas universidades
(Foto: Diogo Sampaio)

Autor dos best-sellers “1808”, “1822” e “1889”, o escritor paranaense Laurentino Gomes está lançando, na XIX Bienal Internacional do Livro Rio, o primeiro volume de sua nova trilogia, intitulado “Escravidão – do primeiro leilão de cativos em Portugal até a morte de Zumbi dos Palmares”. Em entrevista exclusiva ao site Tupi.FM, Laurentino relatou o processo de pesquisa e escrita desta nova obra, além de enfatizar a escolha do tema como fundamental para compreender e definir a sociedade brasileira atual e do futuro.

“Esse livro nasceu naturalmente enquanto eu escrevia os outros três livros. Em ‘1808’, ‘1822’ e ‘1889’ eu conto a construção do Brasil independente após a ruptura com Portugal. Ali você consegue entender como o país se organizou do ponto de vista legal, burocrático e administrativo. Então, muito do que está em Brasília hoje, foi plantado no século XIX. Mas se quiser realmente entender a sociedade brasileira, é preciso dar um mergulho mais profundo. E aí que aparece, com muita força, a contribuição africana e também a escravidão. O Brasil hoje é o segundo país do mundo com maior população afrodescendente, depois da Nigéria. E ele foi construído por escravidão, durante todo período colonial, e até o final do século XIX. Todos os nossos ciclos econômicos foram mantidos por escravidão. Desde a época do pau brasil até o café, passando pelo açúcar, pelo tabaco, pelo algodão, ouro e diamante… Tudo isso foi mantido com mão de obra escrava. O Brasil foi o maior território escravista das Américas, recebeu 5 milhões de cativos. Por isso, para entender realmente o país, é preciso conhecer a fundo a história da escravidão”, afirmou o escritor.

Laurentino alerta que o legado da escravidão permanece viva na sociedade contemporânea. Segundo o escritor, a falta de políticas inclusivas aos negros após a Lei Áurea gerou sequelas e ampliou desigualdades sociais. “Os abolicionistas diziam que não bastava acabar com a escravidão, era preciso também cuidar da herança, dando oportunidades de promoção, de integração na sociedade brasileira, como na condição de cidadãos, para os escravos e seus descendentes: educando, dando terra… Isso o Brasil nunca fez”, relembrou.

“O que nós temos hoje é um abismo de oportunidades entre a população de descendentes europeus e a população descendentes de africanos, em todos os níveis, tanto em renda, educação e saúde até em saneamento, segurança e moradia. Os afrodescendentes brasileiros ganham menos, são maioria entre a população carcerária… Um homem negro tem oito vezes mais chance de ser vítima de homicídio que um homem branco. Além disso, tem de lidar com o preconceito diário, que ainda é muito forte”, argumentou Laurentino.

Por esse motivo, o escritor se diz favorável a política de cotas nas universidades: “As cotas são por natureza polêmicas, seja aqui ou nos Estados Unidos, em qualquer lugar. Mas é a primeira vez que o Brasil toma algumas medidas para corrigir o legado da escravidão, por isso sou à favor. A gente pode consertar uma coisa aqui, ali. Pode pactuar melhor essas políticas de inclusão, de compensação. Mas elas são muito importantes. Primeiro para corrigir a desigualdade social no Brasil, e depois para sinalizar que o país, 131 após a Lei Áurea, se preocupa com o legado da escravidão”.

Entretanto, apesar de enxergar positivamente, Laurentino ressalta que as cotas não são suficientes, e que é preciso outras políticas de compensação: “A política de compensação mais básica e essencial é a educação. Ou seja, é preciso que a população afrodescendente brasileira tenha acesso a qualidade de ensino que as outras parcelas da população têm. Mas não só educação, também moradia, saúde, segurança, empregos de qualidade… Hoje nós temos um desafio no Brasil que é promover oportunidades iguais para todos os brasileiros. Se você imaginar que um país é a soma de seus habitantes, mas do que as suas riquezas naturais, o Brasil só será rico e desenvolvido, se todos tiverem as mesmas chances de realizar o seu potencial, seus talentos e vocações. Infelizmente, hoje isso não acontece. Apenas uma elite muito pequena tem acesso a boa educação, a boa saúde, a boa moradia… Então assim, política de inclusão não é apenas cota para afrodescendentes em universidades, mas um conjunto de medidas com intuito de promover justiça social”.

Responsável por vender mais de 2,5 milhões de exemplares no Brasil, em Portugal e nos Estados Unidos com sua trilogia anterior, Laurentino revelou durante a entrevista ao Tupi. FM o quê o fez escolher escrever livros de história com linguagem simples e coloquial: “Queria ser um abridor de portas. Ao publicar livros fáceis de entender, mas que tratam de assuntos importantes, como a escravidão e a proclamação da república, eu consigo atrair atenção para o estudo da história. Uma sociedade que não estuda o passado, não consegue entender o presente e não vai construir direito o futuro. Estudar história é absolutamente fundamental”.

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