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A prisão de Crivella e a criminalização da classe política

Em entrevista à Super Rádio Tupi, juristas divergiram da decisão: “legal, mas midiática”

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(Foto: Talita Giudice/Super Rádio Tupi)

Prefeito afasto do Rio segue preso em Benfica, Zona Norte da cidade. (Foto: Talita Giudice/Super Rádio Tupi)

A prisão do prefeito do Rio, Marcelo Crivella (Republicanos), na manhã da última terça-feira (22), em ação conjunta da Polícia Civil e do Ministério Público do Rio, colocou um assombro ainda maior no que se tornou a política carioca pelos vários outros exemplos negativos. A desembargadora Rosa Helena Penna Macedo Guita, que deu a ordem de prisão, determinou o afastamento de Crivella a nove dias do fim do mandato.

A investigação do Ministério Público aponta a existência de um “QG da Propina” na Prefeitura do Rio. De acordo com o MP, no esquema, empresários pagavam para ter acesso a contratos e para receber valores que eram devidos pela gestão municipal. Estrutura de desvio de recurso público piegas, enraizada na política brasileira e descoberta desde Fernando Color de Mello e debatida em vários outros escândalos, como o Mensalão e Lava-Jato.

(Foto: Diana Rogers / Super Rádio Tupi)

Políticos, de posição e oposição a Crivella, e juristas divergem sobre a forma como o então prefeito em exercício foi detido. Para muitos, a decisão foi monocrática e midiática. Outros, no entanto, consideraram precisa pela urgência e robustez dos documentos apresentados pelo MP. Em comum, nada a se comemorar. Há, no entendimento de todos com quem foram contatados para esta reportagem, prerrogativas negativas que assolam o Rio de Janeiro: a criminalização da classe polícia, a banalização da Justiça (prende e solta) e o desgosto – cada vez mais profundo – da política. Pobre, Rio.

O deputado estadual Waldeck Carneiro (PT) pede cautela para as ações adotadas contra os políticos:

“Os fatos são muito negativos. Não há nada a se comemorar mesmo sendo um opositor de Marcelo Crivella. A prisão aprofunda a crise política. Ao passo que é positivo para a democracia, pois ninguém é inimputável, há o ponto ruim devido a banalização e criminalização da classe (política)”, analisa o também integrante do Tribunal Misto que julga o processo de impeachment do governador afastado Wilson Witzel (PSC). “A decisão da desembargadora antecipa a sentença. Há várias medidas cautelares possíveis para aplicação. A desembargadora cita eleição até de 2022. Questiono o que isso tem relação com o processo?”, reflete o parlamentar.

Outro a se posicionar foi o também deputado Renan Ferreirinha (PSB), escolhido por Eduardo Paes (DEM) como novo Secretário Municipal de Educação. Para o deputado, a decisão da desembargadora não afeta a transição das gestões:

“Acho que é preciso respeitar a decisão da justiça. A gente vai seguir trabalhando na transição e faltam poucos dias para acabar o mandato dele. Portanto, não vejo isso como empecilho para aplicação de uma ou outra medida”, considera o parlamentar.

O presidente da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia (DEM-RJ), classificou a prisão do prefeito Crivella como “abusiva”.

“O prefeito tem endereço fixo, podia continuar sendo investigado mesmo sem a prisão, avançar a investigação e, se condenado, aí sim cumprir a pena provado e condenado nas instâncias necessárias”, opinou Maia.

Entre juristas há um consenso: a prisão é constitucional (legal). Há, porém, controvérsias sobre a proporcionalidade. Haveria então necessidade de prisão? Para o advogado criminalista e especialista em Direito Constitucional Acácio Miranda, a competência do julgamento pertence ao Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro, mas para ele os critérios de decretação da prisão preventiva não foram todos estabelecidos:

“A competência do TJRJ é determinada pela Constituição Federal através do Artigo 29, inciso 9. Contudo, quando pensamos na estruturação dos tribunais percebemos que estes são órgãos colegiados, na pluralidade de consentimentos e que todas as decisões devem ser tomadas por esse colegiado, principalmente uma decisão como essa, que afeta os serviços diários do município e, neste momento, a transição de uma gestão para outra. Um segundo aspecto diz respeito aos requisitos para decretação da prisão preventiva, uma vez que os Artigos 311 e 312 do Código de Processo Penal exigem o preenchimento de alguns requisitos. Esses requisitos cautelares não estavam aparentemente preenchidos na decisão que decretou a prisão do prefeito, ou seja, há juridicamente certo açodamento, o que torna a prisão muito mais midiática do que necessária”, avalia o jurista.

Para Miranda, o Código de Processo Penal coloca a prisão preventiva como exceção e as medidas cautelares como regra devido ao processo não ter sido sentenciado:

“Os artigos 318 e 319 do Código de Processo penal, desde 2011, dispõem que a prisão preventiva é uma exceção. A regra é medida cautelar, como o uso da tornozeleira e a limitação do ir e vir. Entendo que, neste momento, as medidas cautelares seriam muito mais condizentes com as circunstâncias do que a decretação da prisão preventiva e evitariam, principalmente, um desgaste da classe política, que ultimamente vem sendo marginalizada”, analisa.

Conforme a própria classificação jurídica diz, a prisão preventiva e a prisão temporária correspondem a modalidade de prisão cautelar, que com os requisitos preenchidos, podem ser decretadas. Após a sentença e o trânsito em julgado de uma eventual condenação, é cumprida a pena.

“Todas as medidas cautelares, principalmente aquelas que afetem o direito de ir e vir, devem ser tomadas com toda responsabilidade, observando se fielmente a Constituição Federal e aquilo que está estabelecido no Código de Processo Penal sob pena do Poder Judiciário ter esvaziado sua credibilidade”, considera o advogado.

“Os advogados de defesa de Crivella terão habilidade jurídica suficiente para entenderem que o próprio Supremo Tribunal Federal tem jurisprudência vacilante em relação a perpetuação do foro pro prerrogativa de função daqueles que tenham deixado o cargo eletivo, ou seja, os advogados de Marcello Crivella vão discutir se essa competência deve permanecer no TJRJ ao final do mandato ou se o processo deve ser remetido a primeira instância do Rio de Janeiro. Sabemos que essa discussão processual durará alguns anos e, sabemos também, que o STF tem decisões nos dois sentidos. Ou seja, é difícil cravar o posicionamento do Supremo”, finaliza o advogado Acácio Miranda.

Quando olhamos para o cenário jurídico pós-mensalão e pós-lava-jato percebemos que há uma tendência, principalmente por conta do respaldo popular, da adoção de medidas graves e extremas em relação a políticos, estejam eles no exercício dos mandatos ou não. O que se chama, às vezes corretamente, às vezes incorretamente, é de criminalização da classe política. Lá na frente, sendo absolvidos ou não, a imagem borrada será irreversível. A implicação é que não teremos aplicação da Justiça técnica, e sim a Justiça popular, que tem menos profundidade e conhecimento dos meios jurídicos.

O também advogado especialista em direito constitucional João Marcos diverge. Para ele, a decisão da desembargadora é acertada:

“Ao ler a decisão, entendo que os requisitos da prisão preventiva foram caracterizados e há indícios das autorias dos crimes. Pra mim, é uma prisão legal, mesmo que possa ser considera midiática, mas mediante a urgência e as provas colocadas nos autos vejo como decisão acertada. A prisão e o afastamento de Crivella eram sim questão de urgência. Eu concordo com a desembargadora e não vejo excesso”, opina João Marcos.

Na noite de terça-feira (22), mesmo dia em que a prisão preventiva foi executada, o presidente do Superior Tribunal de Justiça (STJ), Humberto Martins, concedeu prisão domiciliar ao prefeito Crivella.

“A decisão do STJ não anulou a da desembargadora. Foram impostas várias medidas cautelares. O que divergiu entre os dois foi a proporcionalidade, mas a decisão do Superior Tribunal também entende indícios da participação de Crivella nos crimes mencionados”, avalia o jurista.

João Marcos defende os argumentos da desembargadora, a fundamentalização da investigação apresentada pelo Ministério Público e os critérios mencionados para o estabelecimento da prisão do prefeito:

“A sentença é bem fundamentada. O Ministério Público apresenta diversas provas, que foram muito bem apresentadas e estabelecidas pela desembargadora na decisão que aponta Crivella como cabeça de uma organização criminosa, e que não é de agora e sim desde 2016, ou seja, antes mesmo da eleição dele. Esse esquema de corrupção foi muito bem descrito. Outro ponto a ser levado em consideração são os fundamentos apresentados pela desembargadora. Segundo ela, deixar Crivella a frente da prefeitura ou em liberdade colocaria em risco a ordem pública e a conveniência da investigação criminal. Em liberdade, poderia sim prejudicar a investigação. A defesa da prisão preventiva para evitar a continuidade dos supostos crimes também é bem estabelecida”, conclui João Marcos.

O desembargador de plantão no Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, Joaquim Domingos de Almeida Neto, encaminhou à desembargadora Rosa Helena Penna Macedo Guita a determinação do Superior Tribunal de Justiça (STJ) de conceder prisão domiciliar ao prefeito Marcelo Crivella (Republicanos). Agora, a desembargadora, relatora do processo, expedirá o alvará para que Crivella deixe a unidade prisional de Benfica, na Zona Norte do Rio, onde passou a noite.

A desembargadora Rosa Helena expediu mandado de busca e apreensão para ser cumprido no apartamento de Marcelo Crivella, na Barra da Tijuca, na Zona Oeste da cidade. Segundo a magistrada, todos terminais de telefônicos fixos, computadores, tablets, laptops, aparelhos de telefone celular e smart TVs devem ser retirados do local. Rosa Helena também decidiu ainda que seja colocada a tornozeleira eletrônica no prefeito. Somente após o cumprimento dessas medidas, é que deve tomar uma nova decisão sobre o caso.

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