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Julgamento de Bolsonaro no STF, 1º dia: Moraes, provas da acusação e a defesa
Sessão será retomada nesta quarta-feira (3/9), com a sequência das sustentações de defesa dos demais réusPela primeira vez na história, um ex-presidente da República e generais de alta patente das Forças Armadas respondem por crimes relacionados a uma tentativa de golpe de Estado. O primeiro dia de julgamento da Ação Penal nº 2.668, que apura a participação de oito réus em crimes contra a democracia durante as eleições de 2022, começou às 9h desta terça-feira (2/9), no Supremo Tribunal Federal (STF).
O processo está dividido em cinco sessões, distribuídas em 2, 3, 9, 10 e 12 de setembro. Entre as acusações estão associação criminosa, incitação ao crime, abolição violenta do Estado Democrático de Direito e dano ao patrimônio.
Os réus são o ex-presidente Jair Bolsonaro, os ex-ministros Walter Braga Netto, Augusto Heleno, Paulo Sérgio Nogueira e Anderson Torres, o deputado federal Alexandre Ramagem (PL-RJ), o ex-comandante da Marinha Almir Garnier e o tenente-coronel Mauro Cid. Eles são apontados como integrantes do chamado “núcleo crucial” ou “núcleo 1”, formado para desacreditar o sistema eleitoral, incitar ataques a instituições e articular medidas de exceção para impedir a posse de Luiz Inácio Lula da Silva.
Abertura da sessão
Na abertura, o ministro relator Alexandre de Moraes afirmou que o país “só tem a lamentar” que, novamente, se tenha tentado um golpe de Estado. Além disso, também enviou recado a setores que defendem anistia aos envolvidos. “Não se pode confundir a saudável pacificação da sociedade com a covardia do apaziguamento, que significa impunidade e desrespeito à Constituição federal. A História nos ensina que a impunidade, omissão e covardia não são opções para a pacificação”, declarou.
Durante a leitura do relatório, Moraes destacou as alegações finais da Procuradoria-Geral da República (PGR), que revelam a existência do plano batizado de “Punhal Verde e Amarelo”, cujo objetivo seria assassinar o próprio ministro, além do presidente Lula e do vice, Geraldo Alckmin. Segundo a PGR, a execução não ocorreu por “falta de adesão do comando”.
“Existindo provas, acima de qualquer dúvida razoável, às ações penais serão julgadas procedentes e os réus serão condenados. Assim se faz Justiça. Esse é o papel do STF: julgar com imparcialidade e aplicar a Justiça a cada um dos casos concretos, ignorando pressões internas e externas”, disse.
Acusação
Após leitura do relatório feita por Moraes, começou a sustentação da acusação. O procurador-geral da República Paulo Gonet, responsável pela denúncia dos oito réus, utilizou adjetivos como “afrontas acintosas”, “belicistas” e “perversão” para classificar os atos em análise. Afirmou, ainda, que o julgamento representa um marco na defesa da democracia brasileira.
Gonet disse que chegou o momento de uma defesa ativa da democracia diante da violência política e destacou que os atos de 8 de janeiro de 2023 foram “vilanias” contra a Constituição. Segundo ele, Bolsonaro foi o “principal articulador, maior beneficiário e autor dos atos mais graves” da conspiração.
O procurador frisou que a acusação não se baseia em conjecturas, mas em provas robustas que revelam a articulação de um grupo político e militar para fraudar a alternância do poder.
Sustentação da defesa
À tarde, com início às 14h, começaram as sustentações orais das defesas, com tempo de até uma hora para cada acusado.
A primeira foi a do tenente-coronel Mauro Cid, delator da investigação. A defesa rejeitou a tese de nulidade do acordo de colaboração, ressaltando que não houve coação. Segundo a PGR, o depoimento de Cid revelou detalhes do plano articulado entre 2021 e 2023 para impedir a posse de Lula, com Bolsonaro como líder.
Cid confirmou ao Supremo que participou de reuniões sobre o plano, mas negou envolvimento direto. Sua delação é considerada peça-chave para comprovar a participação de Bolsonaro e aliados.
O advogado Jair Alves Pereira defendeu a validade do acordo, homologado pelo STF, e criticou tentativas de deslegitimá-lo. “É normal e legítimo haver críticas a decisões judiciais, mas não se pode enfraquecer um instrumento fundamental para o avanço da apuração.”
Em seguida, foi a vez da defesa do deputado Alexandre Ramagem (PL-RJ), representada pelo advogado Paulo Renato Garcia Cintra. Ele contestou a inclusão de provas e alegou que a PGR se equivocou ao associar o então diretor da Abin ao uso do sistema First Mile.
A fala gerou um embate com a ministra Cármen Lúcia, que rebateu a equiparação feita pelo advogado entre voto impresso e processo auditável. “O processo eleitoral é amplamente auditável no Brasil. Uma coisa é voto impresso, outra é a auditoria eletrônica, que existe desde 1986. Não se pode confundir”, afirmou a ministra, em tom firme. Cintra respondeu dizendo que apenas repetiu expressões utilizadas por Bolsonaro, mas reconheceu que os conceitos não são equivalentes.
O julgamento será retomado nesta quarta-feira (3/9), com a sequência das sustentações de defesa dos demais réus. A previsão é de que as discussões se estendam até 12 de setembro, quando os ministros deverão proferir seus votos.