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Tráfico de fósseis alimenta museus no exterior e prejudica pesquisas cientificas brasileiras

Materiais, que podem conter informações relevantes sobre a evolução da vida na Terra, estão sendo retirados de seus contextos geológicos sem o devido registro e estudo

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[Foto: Reprodução]

Embora a exploração de ossos de dinossauros seja uma atividade proibida por lei em território brasileiro desde 1942, o país enfrenta um desafio preocupante: o aumento do tráfico de fósseis. Apesar das investigações lideradas pelo procurador da República Rafael Rayol do MPF do Ceará e todas as iniciativas de paleontólogos em preservar os materiais ter bons resultados, esse comércio ilegal ainda ameaça não apenas o patrimônio paleontológico do país, mas também compromete a pesquisa científica e a preservação de importantes vestígios da história da Terra.

Todos os fósseis descobertos em território nacional são propriedade da União e, portanto, não podem ser comercializados. No entanto, nos últimos anos, observou-se um aumento significativo na extração, contrabando e comercialização desses vestígios pré-históricos. Os materiais, que podem conter informações importantíssimas sobre a evolução da vida na Terra, estão sendo retirados de seus contextos geológicos sem o devido registro e estudo.

Nos últimos dez anos, o MPF do Ceará instaurou pelo menos 10 procedimentos para investigar a remoção ilegal dessas peças para o exterior. “A maioria partiu de denúncias feitas por cientistas”, comenta Rafael Rayol. O mais antigo diz respeito à repatriação de 46 fósseis do Araripe, entre eles um esqueleto de Pterossauro.

“O Ministério público federal do Ceará instaurou na última década, dezenas de procedimentos que envolvem a apuração e repatriação de fósseis contrabandeados da região sul do Ceará, da Chapada do Araripe. Essa região, de fato, é uma das maiores bacias fosselíferas do mundo e traz fósseis de interesse muito alto do ponto científico, museológico e financeiro. Porque os fósseis são extremamente bem preservados, possuem inclusive, em muitos casos, matéria mole e 3 dimensões”, afirma Rafael Rayol.

O ciclo vicioso do contrabando

O contrabando desses materiais contribui para o mercado ilegal internacional de artefatos paleontológicos, alimentando coleções privadas em casas de leilão e museus clandestinos ao redor do mundo. Isso cria um ciclo vicioso que incentiva a exploração desenfreada e a destruição de sítios de importância científica e histórica. A bacia do Araripe, que é ponto de referência para os paleontólogos, localizada entre os estados do Ceará, Pernambuco e Piauí, abriga o maior sítio fossilífero do país. É lá que fósseis de animais e plantas que viveram há mais de 110 milhões de anos são encontrados com um grau de preservação excepcional.

“Impedir o contrabando propriamente dito é bem difícil na região, porque são os dois principais municípios envolvidos na extração de fósseis: Santana do Cariri e Nova Olinda. Nesses locais a atividade comercial principal do é a mineração de calcário laminado e é justamente entre as camadas de calcário laminado que se solidificaram e se formaram esses fósseis”, explica Rafael Rayol.

O promotor afirma, ainda, que a extração se inicia, na maioria das vezes, a partir da população carente que trabalha com mineração e utiliza da descoberta para arrecadar uma renda extra.

“Essas pessoas veem uma possibilidade de ganhar uma renda extra, e acabam separando e vendendo de forma clandestina e criminosa, para pesquisadores e comerciantes na maioria das vezes”, disse Rayol.

Em julho deste ano cientistas de diversas partes do mundo assinaram uma carta pedindo a repatriação para o Brasil do fóssil Irritator Challengeri, um dinossauro que viveu há mais de 100 milhões de anos, e foi encontrado por pesquisadores no Museu de História Natural Senckenberg, localizado em Frankfurt, na Alemanha. Este é o único espécime conhecido e bem preservado desta espécie e possui valor acadêmico, museográfico e educacional.

A repatriação

“Existe já instaurado no Ministério público Federal um procedimento para apurar o tráfico do espécime e buscar a sua repatriação, ele está em tramitação e estamos aguardamos que tenha mesmo resultado de outros procedimentos já de sucesso, como tivemos da Itália, da França e da Alemanha, recentemente envolvendo o Fóssil do Ubirajara”, afirma Rayol.

Só em 2020 os agentes da Polícia Federal cumpriram 19 mandados de busca e apreensão, sendo 17 nos municípios de Santana do Cariri e Nova Olinda, e dois no Rio de Janeiro. Dois homens foram presos e um deles foi apontado como um dos principais negociadores de fósseis no período de investigação (2017-2020) e o outro seria responsável por receber quantias em dinheiro de um professor do Rio de Janeiro para coleta dos fósseis.

Na época, segundo a Polícia Federal, a atuação acontecia através de empresários, servidores públicos e atravessadores que negociavam fósseis raros na região, com indícios da prática ilícita por parte de professores e pesquisadores de universidades federais, como a UFRJ. Os investigados podem responder por organização criminosa, usurpação de bem da união e crime ambiental, que pode chegar até 16 anos de prisão.

Carta:

“(…) A legalidade, contudo, não é a nossa única preocupação. Gostaríamos de convidar o Ministério a considerar as implicações éticas das coleções públicas alemãs que guardam quantidades consideráveis de fósseis de um país que busca ativamente proteger o seu patrimônio paleontológico por lei. Nossos colegas brasileiros da Sociedade Brasileira de Paleontologia (SBP) recentemente publicaram um posicionamento relevante que gostaríamos fosse levado em consideração pelo Ministério. Nas suas palavras “declaramos e enfatizamos que a devolução de holótipos de táxons extintos é imperativa” ao tempo que reforçam a importância da cooperação internacional. A SBP “está disponível para mediar, articular e/ou colaborar em novos processos de repatriação”, tais como o que concerne ao Irritator challengeri.”

Confira a carta completa

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