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Justiça

MPF denuncia mãe e filho que mantiveram idosa em trabalho análogo à escravidão

Os dois são acusados de manter a idosa, hoje com 87 anos, como trabalhadora doméstica, sem pagar salário, em jornadas exaustivas, em condições degradantes, sem liberdade para se locomover e restringindo sua capacidade de escolha

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Maria de Moura foi mantida em situação análoga à escravidão por mais de 70 anos (imagem: reprodução/TV Globo)

O Ministério Público Federal (MPF) denunciou à Justiça Federal, mãe e filho que submeteram uma mulher à situação de trabalho análogo à escravidão na Zona Norte do Rio.

André Luiz Mattos Maia Neumann e Yonne Mattos Maia são acusados de manter Maria de Moura, hoje com 87 anos, como trabalhadora doméstica, sem pagar salário, em jornadas exaustivas, em condições degradantes, sem liberdade para se locomover e restringindo sua capacidade de escolha.

Segundo o Ministério Público, o cenário de exploração começou na década de 1940, quando Maria de Moura, aos 12 anos, foi chamada para “morar e brincar” com as crianças da Fazenda Estiva, onde seus pais trabalhavam.

A propriedade pertencia a Yvonne Mattos Maia e Geraldo Maia, pais da denunciada Yonne Mattos e avós do denunciado André Luiz Mattos. Natural do município de Vassouras (RJ), Maria, ao contrário das crianças da Fazenda Estiva, nunca pôde estudar e serviu ao menos três gerações da família Mattos como trabalhadora doméstica, até seu resgate, em maio de 2022.

Responsável pela denúncia, o procurador da República Eduardo Benones destaca que durante o longo período de exploração, Maria de Moura foi alienada dos vínculos familiares, impedida de construir vínculos pessoais e de desenvolver interesses próprios. O procurador cita a conduta de André Mattos, que detinha o telefone da trabalhadora doméstica, e chegava a apagar o número dos contatos de familiares que raras vezes a telefonavam. Quando essas ligações ocorriam, André mantinha a chamada no modo “viva-voz” para ouvir o que estava sendo falado pelos familiares de Maria.

A situação de cárcere de Maria foi agravada com a pandemia de COVID-19, quando André Mattos não permitiu que a família a visitasse. Preocupados, os parentes da vítima acionaram a Polícia Militar em dezembro de 2021. A entrada da casa era mantida com corrente e cadeado e Maria não tinha a chave, portanto, não podia sair do imóvel, o que caracteriza cárcere privado.

Comunicado da situação, o Ministério Público do Trabalho (MPT) obteve autorização judicial para entrar na residência e tomou conhecimento da situação degradante da idosa. Por ordem de Yonne Mattos, a vítima dormia em um precário sofá ao lado do quarto da matriarca para que exercesse a função de sua cuidadora em todos os momentos.

Durante a fiscalização, a procuradora do Trabalho Tayse de Alencar Macario presenciou ainda o denunciado André de Mattos coagindo Maria de Moura a mentir para as autoridades, ordenando que ela negasse que prestasse qualquer tipo de trabalho à família. Apesar de André negar que Maria de Moura trabalhasse há décadas para sua família, vizinhos relataram que conheciam a vítima como empregada da casa e que a viram durante décadas realizar serviços domésticos na residência e fazer compras na feira, inclusive, carregando pesadas sacolas, também aos fins de semana. Testemunhas confirmaram ainda que Maria constantemente sofria agressões verbais oriundas de Ailton, pai de André.

A investigação também revelou que André Mattos retinha o documento de identidade e o cartão de banco da idosa, sacando seu benefício previdenciário. Parte do dinheiro era guardado por André, que mesmo não realizando o pagamento da remuneração de Maria pelos serviços domésticos, determinava que ela pagasse itens de uso pessoal e medicamentos.

Na ação, o MPF pede que André Luiz Mattos e Yonne Mattos sejam condenados por submeter a condições análogas à escravidão a trabalhadora doméstica Maria de Moura. Para o órgão ministerial, o crime foi caracterizado por meio de diversas condutas como o trabalho forçado, jornadas exaustivas e pela retenção de documentos, além de outras condições degradantes.

André Luiz também foi acusado do crime de coação por meio de atos de violência, previsto do artigo 344 do Código Penal, após ameaçar Maria de Moura durante a fiscalização do Ministério Público do Trabalho. Além disso, André Luiz foi denunciado pelo crime de apropriação de rendimentos de pessoa idosa, previsto no Estatuto do Idoso (Lei 10.741/2003), por ter retido o cartão magnético de saque do benefício previdenciário de Maria de Moura.

O MPF requer à Justiça que a família denunciada indenize Maria de Moura no valor de R$ 150 mil, por danos morais, sem prejuízo da responsabilização por dano patrimonial ou extrapatrimonial, promovida em outras esferas judiciais.

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